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O relatório final sobre as causas do apagão que afetou todo o Sistema Interligado no último dia 15 de agosto pode ser o mais importante da história do Operador Nacional do Sistema, na avaliação do diretor-geral da instituição, Luiz Carlos Ciocchi. Ele acredita que o processo complexo de apuração do que ocorreu em milissegundos durante o evento pode trazer à tona grandes lições para todo o setor elétrico brasileiro, que podem representar, no limite, um quebra de paradigma em termos de operação do sistema.

“Eu tenho essa expectativa. Não sei se ela vai se concretizar, se materializar, ou se os nossos engenheiros vão chegar à conclusão que aconteceu mesmo uma coisa trivial”, disse o executivo em entrevista à Agência CanalEnergia. Ciocchi acredita que a investigação pode mostrar que estamos “no limiar de uma fronteira de conhecimento”, não só do Brasil, mas, talvez, do mundo.

O dirigente do ONS participa nesta sexta-feira, 25, de uma reunião de aprofundamento de informações com representantes do Ministério de Minas e Energia, da Agência Nacional de Energia Elétrica e com empresas de geração, transmissão e distribuição envolvidas. Um segundo encontro para a consolidação dos dados que irão constar no Relatório de Análise de Perturbação (RAP) está previsto para 1º de setembro.

Confira a entrevista:

Agência CanalEnergia: Queria começar com uma atualização da situação hoje diante do que vocês já tem de informações. O que é certeza, o que é dúvida ainda.

Luiz Carlos Ciocchi: A gente tem uma situação hoje, passada uma semana, na qual, partindo de um ponto de situação que era única e exclusivamente que tinha havido uma ocorrência, o máximo que a gente conseguia ver é que a coisa tinha começado no Nordeste. E daí, a gente concluiu que o evento zero foi a abertura da linha Quixada-Fortaleza, uma abertura que não deveria ter acontecido. Esse evento não deveria ter originado tudo o que originou. E, no meio disso tudo, começam a aparecer as outras perguntas, as outras indagações, que levam a gente a chegar a algumas conclusões.

Primeiro: não houve nenhum grande evento, alguma grande ocorrência no setor elétrico. Não teve nenhuma explosão grande, perda de transformador, nenhum grande circuito que foi desabilitado. Essa linha Quixada-Fortaleza, que é uma linha relativamente pequena, 500kV, foi feito o upgrade dela de 230kV. Mas, enfim, a linha é importante mas não é uma  HVDC do Madeira ou de Itaipu. Não teve nenhuma usina grande que pulou fora, não teve nenhuma grande queimada, não teve nenhum grande evento climático.

O evento identificado como evento zero ocorreu por uma falha da proteção que atuou quando não deveria ter atuado. E a gente tem o intervalo de tempo de 600 milissegundos. Ou seja, nós não estamos falando de um tempo humano. É um tempo eletrônico onde, daí para frente, a gente consegue explicar tudo o que aconteceu. Todas as proteções que atuaram, todas as situações, a gente tem a missão agora de investigar esses 600 milissegundos. Que o fenômeno elétrico que teve início nessa abertura de linha, a primeira coisa que ele provocou foi a abertura daquele PPS, ou seja, aquele mecanismo de proteção contra perda de sincronismo, fazendo o isolamento das regiões elétricas, ou seja, separando o Nordeste do  Norte e do Sudeste. E, daí para frente, a proteção dos Eracs.

Essas coisas, daí para frente, são explicáveis e ocorreram de acordo com o programado. Esses 600 milissegundos a gente esta investigando. E essa investigação é feita através de uma Relatório de Avaliação de Perturbação. É um mergulho profundo de engenharia e de engenheirês.  É uma coleta incrível de informações, porque é só uma linha que abriu. Foi o evento zero. Depois disso, outras linhas começaram a abrir. E a coleta dessas informações, colocar isso tudo alinhado numa base de tempo, para entender a sequência das ocorrências e a explicação elétrica para o evento todo.

É um desafio. É um trabalho grande, e isso está se consolidando numa frase que eu falei, na verdade,  na reunião do Conselho de Administração [do ONS], mas ela reflete muito bem o meu estado de espirito, que é assim: nós estamos diante do RAP  mais importante da história do ONS. É nesse RAP que nos vamos estudar fenômenos elétricos num nível de profundidade que devem trazer à tona grandes lições, grandes aprendizados para todo o setor elétrico brasileiro.

As hipóteses elétricas estão sendo elaboradas, formuladas, algumas descartadas, outras sendo mantidas. Mas este é o quadro que a gente tem agora, neste momento, e é o quadro que teremos na sexta-feira (25/08) o debate com os agentes envolvidos. Eles, obviamente, já enviaram informações. Outros estão enviando ainda, mas seguramente o conhecimento deles vai ser muito importante para que a gente entenda o que aconteceu.

Agência CanalEnergia: É possível que vocês cheguem a uma conclusão  que nunca tinham imaginado? Algum tipo de fenômeno que tenha acontecido e que passe até uma coisa a ser incorporada na operação do sistema? Algum tipo de prevenção contra isso, enfim?

Ciocchi: Eu tenho essa expectativa. Não sei se ela vai se concretizar, se materializar, ou se os nossos engenheiros vão chegar à conclusão que aconteceu mesmo uma coisa trivial. Mas, do jeito que eu vejo,  eu não sou técnico tão profundo como a gente tem aqui no ONS, eu tenho a sensação exatamente como você falou.

Acho que estamos no limiar de uma fronteira  de conhecimento. Não só do sistema elétrico brasileiro, quiçá do mundo, porque fenômeno semelhante já aconteceu na Alemanha, com a queda em cascata de várias usinas e várias linhas de transmissão. Isso promoveu uma série de mudanças. Desde os equipamentos, desde os projetos elaborados lá. Boa parte desse aprendizado já foi incorporado aos equipamentos novos aqui no Brasil, mas eu creio que a gente vai chegar realmente num ponto e falar  ‘poxa, agora nos temos que tomar diferentes providencias. Seja pra o projeto dos equipamentos, seja para a homologação de equipamentos, seja para a conexão e a operação desses equipamentos na rede básica.’

Agência CanalEnergia: Tem se falado muito de mudanças na forma de operação do sistema. Como o ONS vê a questão? Que mudanças hoje seriam necessárias para acompanhar os avanços tecnológicos no setor e os desafios da operação?

Ciocchi: Independente do evento, o ONS sempre fez coro àqueles que acham que a gente precisa rever os modelos do setor elétrico brasileiro. Por exemplo, a gente tem que rever o paradigma do nosso planejamento da expansão. O planejamento da expansão, você conhece, era o seguinte: eu vou precisar de mais energia aqui. Daí eu faço a solicitação da usina. Uma usina leva dez anos, se tudo der certo. Aí eu realizada um leilão de transmissão cinco anos depois, porque a transmissão demorava cinco anos. E aí os tempos se casavam.

Hoje, a construção de um parque solar de grande porte, ou mesmo de um parque eólico de grande porte dura um ano, um ano e meio. A construção de uma grande linha de transmissão continua demorando cinco anos, se tudo der certo. Se conseguir todas as licenças, se conseguir tudo isso. Então, esse paradigma precisa ser revisto.

A grande expansão que nós temos hoje é a expansão dessa geração intermitente e da micro e minigeração. É um fenômeno mundial. Essa coisa está crescendo realmente. É uma energia que você não despacha, é uma energia que você não controla, é uma energia que está realmente distribuída.

O setor elétrico brasileira nasceu pra operar no sistema hidrotérmico. Nasceu para opera num sistema de comando e controle. Está aqui o ONS que despacha as usinas. Hoje, boa parte da energia não é despachável. Então, independente do evento, nós do ONS acreditamos que o setor elétrico precisa  passar por uma transformação.

E antes do evento eu já dizia em várias oportunidades que a gente devia aproveitar uma situação de tranquilidade do ponto de vista energético. Estamos com os reservatórios cheios, com uma MMGD a carga aparente, né? Aquela carga já deduzida da MMGD absolutamente controlada. Continuo achando que é um bom momento pra gente rever essas coisas.

Aí ocorre o evento no dia 15. Agora não tem jeito. Agora nós temos que analisar e ver exatamente o  que aconteceu, e daí nós vamos tirar essas conclusões que devem, na minha expectativa, aglutinar as expectativas de todos aqueles que estão falando, já estavam falando na necessidade de rever a arquitetura, se a gente pode chamar assim, do setor elétrico brasileiro.

Agência CanalEnergia: Em termos de operação, o que o ONS pode fazer independentemente de qualquer comando regulatório, mudança de legislação. Vocês tem  um campo aí em que podem operar nessa questão?

Ciocchi: A gente tem um espaço de atuação que é próprio do ONS e a gente está fazendo. E sempre foi assim. O ONS sempre é criticado por ser conservador. Aquela figura de linguagem que fala que o ONS é aquele cara que sai de casa com o sol brilhando, o céu azul e ele sai de guarda-chuva. Está prevenido.

Muitas vezes isso se transforma numa critica. ‘O ONS é conservador demais. Deveria baixar o critério de N-2 para N-1 para a gente trazer mais energia.’ Aí a gente fala: calma, gente, não é bem assim. Fizemos isso na crise hídrica com profundo cuidado, mas agora não dá pra fazer assim.

‘Ah, o ONS fica limitando as conexões. Não poderia.’ Calma, gente. Não pode conectar todo mundo. Não é simplesmente uma questão de espaço físico para você enganchar sua usina naquela subestação. Não tem fenômenos elétricos envolvidos nisso.

Aparentemente, somos conservadores demais. O evento mostra que mesmo em um modo conservador, nos estamos tendo que enfrentar esse desafio. Portanto, dentro dos limites da competência do ONS, dentro daquilo que os procedimentos de rede nos permitem, nós estamos operando hoje em um modo conservador, procurando limitar o carregamento das principais linhas de transmissão do eixo Norte e Nordeste para o Sudeste. Então, estamos limitando isso aí. Não é que a gente está querendo cortar a energia eólica ou a energia solar. A gente está limitando esse carregamento.

Ocorre que, nesta época do ano, nós já temos uma restrição de geração hidráulica nas hidrelétricas do Nordeste. Portanto, a grande fonte exportadora de energia hoje do Nordeste é eólica e solar. Então, aí acaba se refletindo.

Mas, em outras regiões do país, por exemplo, Sudeste, Norte de Minas, estamos trazendo toda a energia solar produzida. Hoje [23 de agosto, dia da entrevista] acabei de receber uma informação de que batemos o recorde de produção de geração solar, incluindo a MMGD.

Portanto, nós temos um campo sim. Esse campo nós normalmente usamos de uma forma buscando a melhor segurança do sistema. E esse é o nosso papel. A gente tem essa perspectiva, esse viés. A gente olha custo, olha preço, olha tudo isso, mas nosso primeiro olhar, nosso olhar principal, é para a segurança do sistema.

Agência CanalEnergia: Essa operação conservadora a que você se referiu foi depois do  blecaute. A ideia é manter essas restrições até quando?

Ciocchi: Até que a gente tenha uma clareza do que ocorreu e o que tem que ser feito para que esse fenômeno não se repita. Então, no limite, até a gente concluir o RAP, porque o RAP tem que trazer essa conclusão. Evidentemente, se a gente tiver indícios bastantes claros de que a ocorrência foi motivada por este ou por aquele fator isoladamente ou em conjunto, a gente já pode saber que pode liberar mais o carregamento dessas linhas para poder utilizar melhor a energia da eólica e solar do Nordeste.

Agência CanalEnergia: Você falou que como está tendo restrição de hídrica dá para despachar mais eólica e solar. Mas poderia estar despachando mais dessas fontes, é isso, quando você fala em restrições?

Ciocchi: Essas restrições são de carregamento das linhas, ou seja, de volume de energia trazido pelas linhas, e isso é muito conjuntural. Eu estou olhando aqui do lado, eu estou vendo que a nossa geração eólica está abaixo do programado. Obviamente, com a restrição. Então, hoje nós não estamos cortando absolutamente nada de energia eólica, porque a programação está abaixo.

Agência CanalEnergia: Mas isso tem um custo para o consumidor? Estou pensando aqui que, por exemplo, os empreendedores eólicos podem dizer ‘estamos em constrained-off, mas não foi culpa nossa. A restrição foi colocada pelo sistema.’ Pode gerar um custo adicional? Vale a pena diante da possibilidade de manter o sistema mais seguro? 

Ciocchi: Essa é uma questão que bate lá na Aneel. A gente não tem essa função, essa competência, essa missão, de olhar para isso. Mas, dentro do setor elétrico, você tem as instâncias de recurso. As usinas eólicas que se sentirem prejudicadas podem apelar à Aneel, que vai avaliar a situação.

Numa situação desta como nós estamos, que estamos operando dessa forma por um período de tempo delimitado, para garantir que todo mundo tenha energia em casa, me parece que o argumento não deve prosperar. Mas, assim como eu, como você, como todas as pessoas físicas e jurídicas, podem entrar na Justiça achando que você tem um bom direito. Do ponto de vista sistêmico, isso pode gerar uma discussão se vai para a CDE ou não, mas isso é uma coisa que, para acontecer, tem muitas coisas a ocorrerem lá na frente.

E, honestamente, eu acredito que dentro desse período de 45 dias úteis que a gente tem e que a gente vai encontrar essa solução, dentro deste prazo a gente vai estar voltando à operação normal, que, diga-se de passagem, antes do evento, todo dia, a gente tem que cortar um pouquinho de eólica e solar. Principalmente nos horários de maior trânsito, porque a realidade é uma coisa só: a produção de energia tem que ser igual à carga. Se a carga está baixa, não adianta você estar pronto para produzir que você não vai conseguir injetar energia na rede.

Então, essa é um regra infalível, uma lei que não se muda. Se a carga está baixa porque ela está naturalmente baixa, ou ela está sendo bastante subtraída por conta de um micro e minigeração, não adianta. Você não consegue colocar aquela geração que você tem, seja hidráulica, seja solar, seja eólica, seja o que for.

Agência CanalEnergia: A gente viu que a PF abriu inquérito para apurar possíveis causas do incidente que vão além do problema técnico, já que uma das hipóteses seria um possível sabotagem. Em janeiro já tinha tido aquela interação do ONS com a PF por conta daqueles atos de vandalismo. Como deve ser essa interação nessa situação agora, que é diferente da de janeiro, e em que essa operação difere da do início do ano?

Ciocchi: O que ela difere da atuação ou da motivação do começo do ano? No começo do ano a gente tinha linhas. Torres foram derrubadas por ação humana diretamente e teve linhas paralisadas por isso. O que demonstrou a robustez do sistema elétrico brasileiro, que em uma configuração muito semelhante à que a gente estava rodando todos esses meses, inclusive à do dia 15, ninguém nem percebeu que caíram linhas, porque o sistema era robusto e ele procurou seus caminhos e se adaptou.

Então, naqueles eventos existia um evento reconhecido pelos agentes, reconhecido pelo ONS, que teve uma ação. Neste evento, nós, desde o início, falamos que não víamos esse tipo de ação. Porém, é uma prerrogativa do governo, é uma prerrogativa do ministro. E, obviamente, como ministro de Estado ele tem uma visão muito mais holística, muito mais abrangente, de todo o painel. Não só as questões elétricas, que aí é nossa competência, mas questões políticas e sociais de todo o país, ele decidiu  chamar ajuda do Ministério da Justiça, através da Polícia Federal, através da Abin, para que acompanhassem essas investigações.

No dia de ontem [22 de agosto], saiu a abertura do inquérito. Inquérito que corre em sigilo. E, enfim, a Polícia Federal, usando os recursos que tem, a competência, os conhecimentos que tem, também deve fazer as suas avaliações. Até o momento, nós não fomos chamados. E, sendo chamados, nós iremos prestar todas as informações que temos aqui.

E na ocasião, na semana passada, já disse ao diretor-geral, expliquei para ele o processo do RAP, dizendo para ele que naturalmente essa informação será pública. O fator humano é fator de análise dentro do RAP, por questões operacionais, e naturalmente tudo aquilo que dispomos vai estar disponível para a Polícia Federal fazer o seu trabalho.

Agência CanalEnergia: E a interação com o TCU? Eles anunciaram que também devem acompanhar essa questão.

Ciocchi: Todo mundo acompanha essas questões. O TCU também tem, dentro de suas competências, fazer o acompanhamento dessas grandes ocorrências ou dos processos operacionais que temos dentro do ONS. Nós interagimos bastante e muito bem com o TCU, quer seja no apagão do Amapá, seja na questão da crise hídrica, mostrando como se fez toda a gestão hídrica naquela ocasião. E também encaramos com a mais absoluta naturalidade.

São as instâncias competentes do Estado buscando esclarecimentos de um fato. E um fato que foi relevante dentro do cenário nacional.

Agência CanalEnergia: Vocês sempre pontuaram o desafio que é operar com as fontes variáveis. Você acha que o setor hoje corre um risco maior de interrupções do que corria antes com a entrada maciça dessas fontes? O que pode ser feito para equilibrar isso?

Ciocchi: Essa tua pergunta é a pergunta de alguns milhões de dólares. O que a gente precisa fazer para equilibrar tudo isso. Mas vamos para o começo da sua pergunta. Não podemos, não devemos, não existe nenhum indicador que coloca a culpa ou responsabilidade, enfim, a causa, a um excesso de geração. Seja eólica, seja solar, seja o que for.

A energia só é considerada em excesso quando você não tem alocação para a carga. Aquilo que eu falei: se a carga demanda 100, não adianta você querer produzir 150, que 50 não vai entrar na rede. Então, as fontes em si não são problema. Nunca foram.

A  inserção dessas fontes intermitentes na Rede Básica trazem desafio para o ONS? Lógico que sim. Uma entidade que está completando este ano 25 anos. Que nasceu para administrar um sistema exclusivamente hidrotérmico. Mais hídrico do que térmico, na verdade, naquela fase. Onde vários atributos do sistema, várias flexibilidades necessárias dentro do sistema, eram providas pelas hidrelétricas, junto com a energia fornecida, é evidente que isso traz uma complexidade maior. E eu sempre digo que essa complexidade é sempre tratada pelo ONS com naturalidade. Faz parte da nossa atividade. Com uma equipe técnica muito competente, cada vez mais bem capacitada para lidar com isso. Através de ferramentas de tecnologia de informação, seja para previsão, seja para planejamento, seja para operação propriamente dita.

E contamos também com o empenho dos agentes, que a cada dia modernizam suas instalações. Que trazem outras tecnologias para ajudar. Então, você já vê algumas subestações trabalhando com a questão do armazenamento. Já vê subestações menos analógicas, mais digitais do que a gente tinha no passado. Então, esse esforço do ONS com os agentes trará seguramente o caminho para isso.

Então, não vejo de forma alguma uma colocação de problema em fonte A,B,C, ou D, mas confio que a tecnologia existente ou a tecnologia que vamos desenvolver, ou a tecnologia de operação que estaremos aplicando com o conhecimento mais aprofundado desses eventos elétricos será a chave para a gente ter uma matriz energética cada vez mais limpa. Como é o caminho que a gente tem que seguir mesmo, que isso é inexorável.

Agência CanalEnergia: E como vocês estão se preparando para o primeiro verão com o El Niño depois de sete anos? O fato de a gente ter temperaturas altas para essa época do ano já indica que o verão vai ser bastante desafiador? Quais são as principais preocupações que vocês estão tendo em relação a isso?

Ciocchi: Eu digo que o ONS, mas eu particularmente aprendi muito na crise hídrica. Aprendi muito sobre climatologia e previsão de tempo. E comecei a entender um pouco melhor as dificuldades que tem essas especialidades, essas ciências, em fazer um prognóstico mais de longo prazo. Se nós achamos que no setor elétrico a quantidade de variáveis é muito grande, na climatologia a quantidade de variáveis é absolutamente infinita. Você não consegue nem mapear.

Então, eu digo o seguinte: existem indicações de que o El Niño que se aproxima depois de sete anos ele venha trazer realmente situações mais desafiadoras. Do ponto de vista probabilístico, do ponto de vista de assertividade, do que efetivamente vai ocorrer, pode consultar suas fontes de climatologia que ninguém coloca a mão no fogo por isso.

Uma discussão que existia pela razão inversa, durante a crise hídrica, e o que eu sempre disse, é o seguinte: nós não podemos entrar, não temos competência para entrar numa discussão acadêmica se vai ter um super El Niño, se vai ter um aquecimento, se vai ser tão difícil como estão dizendo.

Nós temos que nos preparar para uma situação que seja próxima a essa situação. E para isso nós contamos hoje, esse El Niño chega numa hora em que nós estamos com nossos reservatórios bem cheios. Então, estamos em uma situação energética do ponto de vista da situação das geradoras hidráulicas muito boa. Se nós precisarmos de bastante energia, nós temos bastante energia armazenada.

Os reservatórios bateram recordes nos meses de junho e julho. Então, temos uma situação bastante confortável do ponto de vista energético. Do ponto de vista elétrico, obviamente, o evento da semana passada traz uma preocupação sim. Hoje, nós estamos trabalhando nesse modo conservador, que é muito mais seguro do que a gente trabalhava até a semana passada.

Uma preocupação, e aí afeta muito mais os nossos agentes, é a questão de severidade atmosférica. Temporais, grandes rajadas de vento, ciclones, essa coisa toda, traz uma preocupação que obviamente nos afeta, mas o impacto primeiro é nos agentes. Especialmente naqueles que tem linhas de transmissão extensas e situadas nas regiões que devem ser o foco de intensificação do  fenômeno do El Niño.

Agência CanalEnergia: Só para a gente fechar, vai ter essa reunião agora no dia 25, sexta- feira. Vai ter outra no 1º, e ai se encerra essa fase de troca de informações com os agentes, a Aneel, o ministério?

Ciocchi: Eu não diria que encerra. Eu diria para você que essas duas reuniões são o pontapé inicial para uma consolidação dos dados, para uma consolidação do entendimento para uma definição das hipóteses e teses mais apropriadas para o evento.

O prazo de até 45 dias é um prazo que a gente pode julgar longo ou curto. Depende de como a gente queira encarar essa análise, mas acho que é um prazo suficiente para que a gente cumpra essa determinação regulatória que existe. Esse período não vai se extinguir.

A minha experiência de RAP emblemático aqui no ONS foi o RAP do apagão do Amapá. Ele tomou os 45 dias, ou um pouco mais até, pra gente chegar na causa raiz. Porque aqueles dois transformadores explodiram e qual seriam as providências necessárias para se evitar uma situação semelhante? Então, é realmente um desafio, se você comparar.

Lá, no caso, a gente sabia o que tinha acontecido, porque tinha um equipamento do fabricante, e era só aquilo. Imagina que agora você tem N linhas de transmissão, N geradoras ali, de diversos fabricantes, de diversas fontes. Então, o nosso pessoal está bastante mergulhado nessa discussão.

E obviamente as empresas estão contribuindo da melhor forma possível e com seu melhor conhecimento também. Outras empresas não tem assim uma grande tradição histórica no setor elétrico. Esses parques eólicos, esses parques solares. Mas as grandes empresas do setor elétrico têm muito conhecimento, muita experiência também, e estão se dedicando a resolver esse enigma, esse desafio que a gente tem pela frente.